Na última sexta (dia 31 de agosto) fui ao Projac, participar de um encontro com Beth Filipeck, figurinista da novela Lado a Lado e sua equipe. Vocês não tem idéia de como me emocionei com este convite da Globo! Sou completamente apaixonada por história e… a novela se passa no início do século XX, em plena Belle Époque! Já sabia que iria desfalecer ao ver todas aquelas roupas de época, mas não sabia que iria ficar tão surpresa ao descobrir como são feitas. E isso é o que vou contar para vocês…
Pela suntuosidade dos trajes de uma produção épica, logo passa pela nossa cabeça o quanto deve custar caro tudo isso. Mas Beth Filipeck, com seus mais de 30 anos de experiência, irá utilizar somente 1% do orçamento total da novela para a produção do figurino… É milagre? Sim! Se você é daquelas que acha que repetir roupa e reaproveitar peças antigas não está com nada, talvez precise rever seus conceitos, pois é exatamente o que a Globo fará nesta obra! E o resultado está longe de ser simples ou modesto…
Para cada personagem são criadas algumas bases, com a silhueta de época, lisas, sem detalhe algum. Como numa colagem, os elementos decorativos (golas, faixas, sobressaias, capas, boleros) são sobrepostos, formando um figurino diferente a cada combinação. Literalmente, os trajes são contruídos, em várias camadas!
Uma mesma gola pode ser usada com diversas bases (ou mesmo com outras golas com texturas ou tonalidades diferentes) e por aí vai… Ou seja: é tudo truque! Pura sobreposição! Economia e uso inteligente é o que há!
Mas da onde eles tiram tanta matéria prima? Oras, da própria Globo! Onde mais haveria tanto material arquivado, a não ser no próprio acervo de figurinos da emissora? Está tudo separado por décadas e séculos, gente… tive a oportunidade de conhecer e é descomunal, vocês não fazem idéia… são paredes e paredes de chapéus divididos por cores, centenas de gavetas só com luvas… ai ai ai!
(Precisava de um acervo desses aqui em casa, hehehe!)
O vestido abaixo, por exemplo, é um patchwork de rendas do acervo da própria Beth! Dá para acreditar que isso não é uma coisa única, mas sim é a união de diversos retalhos? Uma verdadeira obra de arte!
Uma boa renda custa caro, não se joga fora assim sem mais nem menos… se reaproveita! Aprendi que, naquela época, onde tudo era comprado no exterior, um pedaço de renda vestia gerações de uma família, inclusive as mais abastadas! Hoje em dia temos uma excelente produção de moda nacional mas, mesmo assim, devemos aprender a reciclar nossas roupas. Se até a Globo o faz, o que estamos esperando?
Quanto à concepção dos figurinos, para os protagonistas são criadas peças especiais. Cada um tem seu próprio “painel de estilo”, baseado no que precisa transmitir através das vestimentas. É definido um elemente fixo, marcante, presente em todos os figurinos do personagem, além de uma palheta de cores única (em Pantone). As peças são tingidas cuidadosamente por uma equipe da Escola de Belas Artes, para que o resultado seja um visual de pintura impressionista.
Missão cumprida com mérito! Olha só esse chapéu?
Porém, há restrições quando ao uso de algumas tonalidades: o salmão “pula” na tela e o amarelinho não é bem vindo. Creio que isso ocorra devido ao uso de filtros nas cenas. Em Lado a Lado será utilizada a cor magenta (além do efeito “fog”, enevoado)… e, como qualquer filtro colorido, isto pode interferir na percepção de outros tons.
(Se também achou “a cara” do figurino do Titanic, não é a toa. As duas produções estão bem próximas cronologicamente)
Apesar de interpretar uma vilã, Patrícia Pillar usa roupas suaves. Seria óbvio caracterizá-la com um visual sombrio, mas o domínio dramático da atriz já dá conta das nuances de maldade de Constância Assunção. Sua palheta é lotada de tons pastel em harmonia, com muitas flores, rendas e bordados, além de transparência. (É tipo uma versão 20 milhões de vezes mais fina da nossa primavera, hehe!)
Marjorie Estiano, no papel de Laura Assunção, é uma mocinha “rebelde”, com pensamentos evoluídos. Suas vestimentas também estão à frente de seu tempo, dando índices de modernidade. Há a inserção de elementos masculinos, como cintos, coletes e gravatinhas e também tonalidades escuras, costumeiramente não utilizadas pelas jovens do período. No chapéu mostrado acima, existe uma nítida inspiração em Chanel, ícone do feminismo. O interessante é que Chanel só abriu sua primeira loja em 1910 (o que mostra o quanto essa referência é mais simbólica do que realista, propositalmente)!